quarta-feira, março 14, 2007

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei.
Não sei se fico ou passo.

Sei que canto.
E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
Motivo, Cecília Meireles

Uma pequena homenagem ao dia nacional da poesia... porque o que falta no mundo é um pouco de sensibilidade, e a poesia tem sempre muito disso.

Uma homenagem também ao Marcos Arilho, diretor de teatro, professor e amigo, que recentemente passou por maus bocados mas - como sempre - deu a volta por cima com classe. Foi ele que me mostrou este poema, que foi declamado pelo grupo "Nada modestos, porém vaidosos", do qual eu fazia parte, numa mostra que aconteceu no Teatro Paulo Eiró, em mil novescentos e noventa e alguma coisa.

Nesta ocasião, declamei "Menino pretinho num canto", que diz assim:

Menino pretinho num canto
Brincando sozinho, parece um santo.

O mesmo menino na rua
Roubando bala, a culpa é sua.

O menino está sujo, sem roupa.
Pedindo esmola, comida pouca.

O menino tem dor forte no dente!
Não tem remédio, ninguém mais sente.

Menino pretinho num canto
Brincando sozinho, parece um santo.

De preto, com o rosto pintado de branco, declamando o poema e encarando o público como quem diz: "e aí? Não vai fazer nada?"

Saudades dos tempos de teatro. A gente podia ser quem quisesse.

Um comentário:

  1. Poesia simples, e pura, e repleta de intenção.

    Eu canto porque o instante existe =)

    ResponderExcluir

Sinta-se em casa