domingo, maio 13, 2018

Chamberí, a estação fantasma

A história da estação Chamberí se mistura com a da cidade de Madri. 

Ela foi inaugurada em 1919, junto com as oito primeiras estações da cidade, em uma época em que o metrô era o maior símbolo da modernidade na Europa. 

Naquele tempo, só se contratava mulheres solteiras para o trabalho de caixa (era necessário comprar o bilhete conforme as estações que iria percorrer), e dizem que havia homens que pegavam o metrô só para flertar com elas. Quando se casavam, era feito um acordo para que deixassem de trabalhar, exceto caso o marido ficasse doente ou viesse a falecer.


As propagandas da época eram pintadas diretamente nos azulejos das paredes. De purgante a cimento, tudo quanto era produto virava lindos anúncios nas mãos de artistas. Aos poucos, o azulejo foi sendo substituído por anúncios de papel, que eram colados um por cima do outro, gerando uma grossa camada de publicidade.


Por muitos anos, a estação ajudou milhares de madrilenhos a se locomoverem com segurança e rapidez pela cidade. Mas o seu papel foi um pouco além do transporte: durante a Guerra Civil Espanhola (1936 - 1939), a estação ajudou a abrigar feridos e servia de proteção contra os ataques aéreos dos chamados Nacionalistas.

Na década de 60, com o aumento dos usuários, a rede de transporte se expandiu, e cada metrô passou a ter 6 vagões em vez de 4. Isso exigiu o aumento das plataformas e um estudo do impacto financeiro e urbanístico em cada estação. 


Nesse momento, foi definido que a estação de Chamberí seria fechada. Ela era em curva, o que dificultava a expansão e tornava a obra muito cara; além disso, por ter outras duas estações bem próximas - Iglesia e Bilbao - o trem não teria nem tempo de pegar a velocidade necessária depois da expansão. O metrô continuaria passando por ali, mas sem parar.


A desativação fez com que Chamberí passasse por seus momentos mais obscuros. Com o passar dos meses, moradores de rua, usuários de drogas e incapacitados esperavam o último trem passar para ir, pelos trilhos, até a estação. Usavam a plataforma como reduto de drogas, se protegiam do frio e viviam entre ratos e baratas em um ambiente úmido e escuro. 

Quando o metrô voltava às atividades pela manhã, aqueles que passavam viam apenas os vultos dos habitantes noturnos, já que ali não havia luz. Com isso, Chamberí ficou conhecida como a “estação fantasma”.

Muitos anos depois, em 2008, surgiu o projeto de revitalizar a estação Chamberí e transformá-la em um espaço aberto para visitação. Todo o papel dos anúncios de publicidade foi retirado e descobriu-se que, felizmente, eles serviam de proteção às pinturas originais!


Hoje, se pode visitar as antigas bilheterias, a plataforma, ver os anúncios e fazer um passeio guiado que explica tudo sobre o que passou por ali, além de assistir a um vídeo bem bacana que conta a história da Madri do início do século XX e todas as transformações pelas quais passou.


Um passeio não muito turístico nem muito conhecido que vale muito a pena. E é grátis!

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Plaza Chamberí, S/N
Estações Iglesia ou Bilbao do metrô
Quintas-feiras das 10h às 13h
Sextas das 11h às 19h
Sábados e domingos das 11h às 15h
Entrada gratuita

terça-feira, janeiro 09, 2018

Día de los Reyes

Sabe o fervor que fica a vida quando chega o Natal? Correria de comprar presente, comida pra ceia, criançada ouriçada? Pois aqui na Espanha, o fervo mesmo acontece no Dia de Reis, 6 de janeiro. 

Faz todo sentido: quem traz os presentes para o menino Jesus são os reis magos, e não o bom velhinho inventado pela Coca-Cola, rs. Ou seja, nada mais justo do que celebrar o dia deles com comida e presentes.

Por aqui, a tradição é comer o Roscón de Reyes, feito com uma massa deliciosa e levinha que leva rum e água de flor de laranjeira. É coberto com frutas cristalizadas e amêndoas torradas, e pode ser servido com ou sem recheio. Sabe a polêmica “feijão por cima ou por baixo do arroz?” Então, aqui rola isso, só que a briga é entre quem gosta do roscón com recheio de creme ou sem. Eu comi com recheio e amei muito!

Com recheio =P
Além do roscón, outra tradição que rola por aqui é a cavalgada. Toda véspera do dia de reis, a criançada vai pra rua acompanhar o desfile de cavalos e carros alegóricos, que anunciam a vinda dos reis magos. Aqui em Madri, o desfile deste ano trouxe grandes pensadores e grandes descobertas da humanidade. 


Detalhe: foi o mesmo desfile do ano passado. A prefeitura anunciou que, para economizar, usaria a mesma estrutura. Ninguém pareceu se importar.

Ao longo do desfile, os participantes jogam balas para as crianças. São milhares de balas distribuídas. E os pequenos ficam alucinados, gritando: “caramelos! Caramelos!” E brincam de quem pega mais, e levam sacolas e enchem de doces. Bonitinho de vê-los dando tanto valor para essa brincadeira.


Ao final, passam os carros trazendo os reis magos. Eu havia ouvido falar que as crianças escolhem o seu rei mago favorito desde cedo, que é pra ele que elas escrevem a cartinha no começo do ano, mas não imaginava que era uma euforia desse tamanho. Passava um carro, começavam, aos berros: “Baltazar! Baltazar!” Passava outro, e “Gaspar! Gaspar!” 


O desfile atravessa a cidade, vindo por toda a avenida Passeo de la Castellana, terminando na Plaza Cibeles, pra mim o lugar mais bonito de Madri. Ali, uma queima de fogos incrível fechou o evento, levando todo mundo à loucura. 


Nesta noite, todas as crianças que se comportaram bem vão dormir cheias de esperanças, já que os reis magos estão na cidade e não se esqueceriam de passar em suas casas para deixar um “regalo".

Para a cidade, pode se dizer que eles deixaram um presente. Acontece que, em Madri, não chove nunca. E quando digo nunca quero dizer nunca mesmo, é raro chover e essa inclusive é uma queixa de quem vive aqui. Pois bem, na véspera do dia de reis, durante o tão esperado desfile, choveu. E choveu forte. Tanto que algumas fantasias tiveram que ser adaptadas e alguns carros cobertos. 

Só o que não mudou foi o entusiasmo e o brilho nos olhos de todas aquelas crianças. Inclusive da criança aqui. 

Que noite mais linda.

sábado, janeiro 06, 2018

A importância de ter um projeto pessoal

Há quanto tempo não paro pra escrever! Na verdade, a sensação era a de que me faltava tempo até pra pensar, sempre levada pela correria do trabalho e saturada com a quantidade de informação recebida o tempo todo.

Mas quero contar aqui sobre uma experiência que me aconteceu em 2017. Este foi o ano em que decidi ser protagonista da minha própria vida. Isso é um termo que escuto muito em terapia e, aos poucos, ao interiorizá-lo, foi possível colocar em prática com mais facilidade.

No final de 2016, pedi demissão de uma grande agência onde trabalhava. Não preciso me apegar aos motivos, apenas ao fato de que não estava feliz - e não deveria ser esse o critério pra todas as nossas escolhas? 

Não tinha planos, não sabia o que queria. Mas sabia o que não queria, e isso já era meio caminho andado. Comecei o ano de 2017 sem saber o que iria me acontecer, o que seria motivo de desespero para a metódica e controladora “eu de 2016”. Mas, neste novo momento, aquilo me pareceu uma forma de trazer mais paz à minha vida, e menos cobrança.

A verdade é que achei que, um belo dia, me viria uma "luz" dizendo “vai fazer brigadeiro gourmet!” Ou “seu futuro é trabalhar como personal organizer!”

Reaprendi a fazer as coisas sem pressa, sem atropelo. Aprendi a gostar de ficar em casa e de cuidar dela. Comecei a cozinhar e viver o milagre de transformar 50 reais no sacolão em comida pra semana toda. Voltei a ler. Comecei a meditar. Saía pra passear pela cidade e relembrei a quantidade de programas gratuitos em São Paulo.

Entendi que era possível viver uma vida muito mais simples, com menos coisas, menos gastos, e ainda assim ser muito feliz. Na verdade, os primeiros 6 meses de 2017 foram os mais felizes que já vivi até hoje, desde que me lembro. 

E (aquele lance da "luz"), ao longo desses meses, retomei o sonho antigo de viver em Madri. Desde a minha primeira viagem sozinha, quando fui pra Espanha em 2013, me encantei demais com o país, e coloquei na cabeça que queria morar ali. Mas ficou aquele sonho de prateleira (lembra que me faltava tempo até pra pensar?), que nunca nem chegou a ir pro papel.

Pois bem, agora era a hora de ir pro papel, literalmente

Comprei uma cartolina, escrevi bem grande no meio ˜Madrid 2017˜, e ali comecei a desenhar meu projeto pessoal. De que precisava para arrumar um emprego? Que medidas eu teria que tomar para me preparar - vender carro, alugar apartamento, organizar coisas de banco e saúde? Até mesmo, de quem precisava me despedir? Tudo isso foi colocado no papel e concluído, item a item, a caminho da minha realização.

Eu, que sempre me dediquei tanto a projetos “dos outros”, me senti muito bem em buscar algo realmente pra mim. Fixei meu pensamento nisso e coloquei em prática cada um dos itens da lista: comecei a estudar espanhol, traduzi currículo, fui atrás de contatos, consertei meu carro, vendi e doei coisas…

Claro que meu imediatismo fez com que eu me frustrasse bastante. Achei que as coisas aconteceriam mais rápido do que elas de fato aconteceram, e precisei me disciplinar no sentido de entender que as coisas levam seu tempo pra acontecer, por mais que eu estivesse fazendo tudo o que estava ao meu alcance.

E, como assim é a vida, tudo aconteceu a seu tempo. No final de novembro, consegui uma oportunidade de trabalho, a melhor que poderia querer. Me deram 1 mês para fazer a mudança e me despedir das pessoas. Consegui passar o Natal com minha família e organizar o que foi possível. 

Ficaram algumas coisas por fazer. Nem tudo aconteceu da forma que eu esperava. Porque, claro, como já aprendi neste 2017, as coisas não acontecem no tempo que a gente quer e não há como ter controle sobre isso.

O que fica é a lição de que é possível conseguir o que se quer, quando realmente se vai atrás. E que todo o esforço é válido quando se tem uma meta pessoal e coloca seus sonhos em primeiro plano.

Daqui de Madri, convido você a ser protagonista da sua própria vida, e pergunto: qual vai ser a sua cartolina em 2018?