terça-feira, setembro 18, 2007

A fita cassete paralela

Alice era uma garota muito esperta, até demais para a sua idade. Sempre que olhava pra ela, estava quieta, observando, pra dali a pouco soltar uma de suas célebres perguntas. Outro dia lançou: "mamãe, mas por que sessão de cinema é com dois esses e seção de supermercado é com cedilha?"

E eu, que não gosto de responder qualquer coisa, ficava pensando na melhor maneira de responder àquelas questões que nem eu mesma sabia solucionar.

Um dia, Alice me pediu que a inscrevesse em um curso de catecismo. Aregalou seus olhinhos cor de mel e disse: "Quero fazer a primeira comunhão, mamãe, assim como a Celeste da minha escola". Eu não a batizei e nunca a forcei a nada, então resolvi levá-la.


***

Desde que mamãe me colocou na catequese, aprendi muita coisa. Hoje, a professora me disse que Maria engravidou sem ter tido nenhum tipo de relação com homem, e dela nasceu Jesus. Eu não entendi nada, e perguntei se haveria alguma possibilidade de eu ter um neném assim, igual à Maria, como num passe de mágica. A turma toda riu, mas a professora não. E ela ficou brava, eu acho, porque pegou uma varinha e me bateu nas costas da mão.

Eu só sei que, depois que aprendi a rezar o pai-nosso, ele não sai da minha cabeça. Primeiro era o Pai, o Filho e o Espirito Santo, pra depois virar a oração inteira. Sei lá, a sensação que tenho é a de que há duas fitas cassete rodando dentro da minha mente. Antes tinha uma só, que ia rodando os pensamentos que se passavam pela minha cabeça, as coisas que eu lia e escutava, até aquelas músicas que de vez em quando não desgrudam, mas agora são duas.

Em uma delas, fica passando o pai-nosso, e na outra, as coisas normais. Confesso que isso me incomoda, sabe. Não que eu não goste da oração, muito pelo contrário! Até acho que ela é bem simpática. Só que, tem horas, que ela começa a tocar mais alto do que a fita original, e eu não consigo me concentrar no que estou fazendo. Poxa, gosto tanto de ler, mas muitas vezes não consigo por causa desta fita que surgiu e ficou.

Deve haver uma forma de tirá-la de dentro da minha mente. Talvez como num passe de mágica, assim como foi a gravidez de Maria! É, preciso pensar em uma forma de desligar essa fita. Deve haver um pause que seja, quem sabe até um stop. Só o que eu não posso é perguntar isso pra professora, vai que levo mais uma varinhada na mão. Bom, tentemos a mamãe...

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Sinta-se em casa