
Pra falar a verdade, sua mãe sempre representou uma fortaleza inabalável. Nem a felicidade exacerbada, tampouco a tristeza, a afetavam profundamente. Era ela quem resolvia tudo, e pronto. Não podia se dar ao luxo de fraquejar.
Quando começou a entender melhor a vida, Adélia passou a encaixar os fatos. Sabia da infância difícil de sua mãe, tendo que dividir a atenção dos pais com seus 12 irmãos, começando cedo no trabalho na lavoura, e tudo o mais. Imaginou que, devido à criação, sua mãe tivesse construído um muro dentro de si, que impedia a entrada das emoções.
Já tinha ouvido falar de vários problemas resolvidos em divãs, e então resolveu propor à sua mãe uma terapia.
Meses se passaram, até que um dia, a mãe de Adélia chegou em casa com os olhos inchados, vermelhos, soluçava tal qual uma criança. Um pouco assustada, a menina correu para o quarto de seus pais para aguardá-la. Sabia que, naquela hora, a mãe iria procurar se afastar das pessoas. Não estava acostumada a se desequilibrar emocionalmente na frente de ninguém.
Mãe! O que foi? E a mãe aos prantos, sem saber o que dizer nem pra onde olhar. Se abraçaram. E o desabafo: filha, rompi uma barreira dentro de mim. Está doendo, mas me sinto mais leve!
A partir de então, a mãe de Adélia se tornou outra pessoa. Mais alegre, carinhosa, sensível. E se permitiu descobrir a dança. E a dança fez cócegas no seu coração, e ela passou a se apaixonar pela vida, a se gostar mais, a se sentir bonita de verdade.
Na volta de um grande encontro de dança no interior, chamou Adélia para contar as novidades. E ficaram horas papeando, rindo, como se tudo ao redor não tivesse a menor importância. Ao final da conversa, dentro da sua imensa humildade, a mãe agradeceu: filha, muito obrigada por me ouvir com tanto entusiasmo.
E foi a primeira vez que Adélia viu sua mãe chorar de alegria.