Quando voltaram à igreja em que se casaram, 50 anos depois.
Meus avós, modéstia à parte, são duas das pessoas mais incríveis que já conheci. Casados há 58 anos - ele com 83, ela com 79 - eles mantêm alguns costumes fofos, como deixar bilhetes carinhosos ou tecer elogios um ao outro na frente das pessoas.
Mas não é por isso que resolvi escrever sobre eles. É que, recentemente, estava pensando no quanto era divertido visitar meus avós quando era pequena. Pra falar a verdade, me sentia em uma gincana: quando chegávamos, um dos dois jogava um saquinho de supermercado com a chave dentro, pra que não precisassem descer pra abrir. Se era a chave da minha avó, ela logo orientava: "o portão de fora, você abre com a chave amarela de ponta-cabeça, e a porta de dentro é a chave preta!"
Já se fosse meu avô a jogar a chave, já vinha acompanhada de sua voz grossa: "filha, abra com a verde de ponta-cabeça, e a porta de dentro com a chave branca!" Achava o máximo ter que caçar a chave amarela ou a verde e colocá-la de ponta-cabeça, ainda que já soubesse de cor qual a orientação para cada chave, sua cor e posição.
Sempre tinha um lanchinho gostoso. Não teve uma só vez que eu chegasse lá e não tivesse meia dúzia de sonhos de padaria me esperando, fresquinhos, acompanhados de um suco de laranja com manga - uma das muitas especialidades de meu avô (juntamente com o pão de cabaré, o kibe cru e tantas outras delícias). Minha avó logo me chamava para irmos à varanda, ver os carros passarem, e brincávamos de contar quantos carros passavam de cada cor: cada um escolhia uma cor e ia contando, um a um, pra ver quem ganhava.
Depois meu avô vinha com a lista das personagens da rua Major Sertório. É que todo dia, no mesmo horário, eles costumavam ficar na varanda observando as pessoas e, como as mesmas pessoas passavam todos os dias (para seus compromissos diários), eles passaram a apelidar uma a uma, criando uma lista com mais de 50 nomes, um mais engraçado que o outro.
"Veja quem está vindo! É o Paulo Coelho mais gordo!" E lá vinha ele, um cara igualzinho ao Paulo Coelho, só que, claro, mais gordo. E passava a Xica da Silva com o filho, o Antonio Banderas dos pobres... e eu ria longamente, gargalhava alto, tão alto que às vezes alguém parava na rua e olhava pra cima, tentando entender do que tanto riam aquele casal de senhores e aquela menina.
E sabe o que é mais legal? Tudo isso aí acima acontece até hoje, toda vez que vou à casa de meus avós.
Em tempo: lembrei que havia escrito outro texto sobre eles, e, coincidentemente, completou dois anos anteontem: http://devaneiospsicodelicos.blogspot.com/2008/12/s-fascinao-amor.html
ResponderExcluirO seu texto está incrível! Adoro relembrar essas passagens, e revivê-las quando os visitamos!
ResponderExcluirAmo muito tudo isso!
Feliz os que tem memórias boas para recordar!! Familia é tudo!
ResponderExcluirShow de bola o texto Mati...os velhos são figurinhas carimbadas mesmo.
ResponderExcluirE tem também aquela bebida especial com a pompa de um nome francês: "Qualque chose", preparada pelo espirituoso Sr Otávio e servida no caso de o convidado, ao responder à pergunta: "O que gostaria de beber?" dissesse: "Qualquer coisa"!... Não é impagável?!! Coisas dos Cunhas, penso eu.
ResponderExcluirPrima linda!!!
ResponderExcluirAmei!!!
como vejo o outro texto que vc escreveu???
bjs
realmente figurinhas carimbadas Liszt e Fantomas!!!
ResponderExcluirrsrs
Bjos Mil
Lindo e poeticamente escrito como sempre. Lindas memórias! Emocionante! É uma satisfação saber que você tem essas impressões e percepções dos meus pais! parabéns!
ResponderExcluirÉ sempre bom (re)lembrar que o amor verdadeiro existe.
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