Há uns 10 anos, li uma notícia que dizia que olhar o celular era a primeira coisa que mais de 50% dos norte-americanos de 18 a 25 anos faziam ao acordar. Na época, os smartphones não eram tão comuns, e fiquei em choque com a notícia: mas como é possível que uma pessoa, antes mesmo de terminar de acordar, olhe o celular?
Sei que, com o passar do tempo e com a chegada de novas tecnologias quase que diariamente, é comum que nossos hábitos mudem. Chamar um táxi acenando na rua, por exemplo, é raro. Mandar um email pra saber notícias de alguém, nossa, já virou coisa do passado com tantas ferramentas de comunicação.
Sendo assim, não é de se assustar que, 10 anos depois, eu também tenha me tornado essa pessoa que olha o celular quase que instantaneamente ao abrir os olhos pela manhã. E não é só isso: o celular também é a última coisa que olho antes de dormir, é o que vou olhando no caminho que faço a pé pro trabalho, é o que me distrai enquanto não chega o metrô... O celular consegue ser minha fuga quando não quero pensar em nada mais, e ao mesmo tempo é o que enche a minha cabeça de informação e pensamentos diversos. Tenho consciência de que estou perdendo tempo e sei o quanto isso tem me impedido de refletir sobre diversos temas.
Outro dia, deixei o aparelho na bolsa por alguns minutos, enquanto caminhava para o trabalho. Refleti sobre a quantidade de coisas que estão acontecendo ao nosso redor e como estamos deixando de percebê-las. Vi uma senhora passeando com SEIS cachorros. Prestei atenção às primeiras mudanças que chegarão com o outono - as folhas amareladas, algumas até caindo - e me dei conta de que o sol da manhã batia lindo entre as árvores.
Parece besteira, mas todas essas pequenas cenas que aconteceram em um intervalo tão pequeno encheram a minha manhã de significado. Me trouxeram mais consciência sobre o que estava passando ao meu redor e me deram uma melhor noção sobre a passagem do tempo. Me fizeram valorizar os meses de verão em que pude sair caminhando pela manhã fresquinha sem me preocupar com o vento. Valorizar a natureza que, farta, enchia meu caminho de verde e de aromas. Agradecer por mais um dia.
As coisas estão aí: temos que prestar atenção.
Ao relembrar essa notícia de 2009 e me dar conta de que me tornei essa pessoa que tanto criticava, entrei em um conflito de sensações: afinal, não dá pra se opor ao que vem de novo, deixar de usar o celular ou os aplicativos preferidos, ou mesmo as redes sociais, principalmente para quem, como eu, vive longe da família e dos amigos mais antigos. Isso tudo tá aí, em teoria, para facilitar a nossa vida. Pra fazer a gente ganhar tempo. Mas como pode ser que algo feito para otimizar o nosso tempo acabe tomando muito mais tempo do que deveria? Não é um paradoxo?
No fim das contas, a chave, como tudo na vida, é o equilíbrio. Não tem problema em dar aquela escapada e ficar um tempo nas redes sociais. Ou ficar de papo no WhatsApp vendo gifs e memes sem pensar em mais nada. Mas os limites saudáveis estão aí para ajudar a gente a não se desprender tanto da realidade.
Sabemos que o equilíbrio não vem assim fácil. Não é simplesmente dizer pra você mesma: hoje eu não fico pendurada no celular. Assim não vai funcionar, já existe uma relação viciosa que é mais forte do que a gente pensa. É preciso disciplinar-se pouco a pouco para tomar distância do celular. Estipular que ele não dorme do lado da cama (que tal colocá-lo do outro lado do quarto?). Colocar limite de tempo diário para redes sociais (os sistemas operacionais têm isso) e não ficar se boicotando e colocando os "sonecas" porque "eu mereço esvaziar a cabeça depois desse dia tão cheio".
Procure ter sempre um livro de cabeceira e trocar o celular por ele antes de dormir. A qualidade do sono muda muito. Experimente deixar o celular no modo avião ou dentro da bolsa enquanto janta entre amigos ou caminha pro trabalho. Além de prestar mais atenção no que está ao seu redor, você pode evitar acidentes. Quem nunca tropeçou, esbarrou em algo ou em alguém por estar olhando o celular na rua?
A tecnologia não é um problema ou não deveria. O problema está em se deixar levar por ela e, com isso, fugir dos nossos valores mais essenciais. Pedir taxi pelo aplicativo? Ótimo! Mais seguro, mais rápido, mais barato. Enviar aquela mensagem pra família logo cedo dizendo que ama? Lindo! Aproxima, acalenta, preenche.
Agora, andar pela rua como um zumbi pendurado no celular, corcunda de tanto olhar pra baixo, aí não, né. Deixar de ter uma conversa profunda com alguém em um jantar porque o celular não para de apitar, não me parece coerente com quem valoriza as relações sociais. Visitar uma paisagem impressionante e isso gerar ansiedade sobre qual vai ser o melhor ângulo pra foto, bem, sugiro que antes disso você respire fundo 10 vezes enquanto olha pra paisagem. A foto você tira depois, mas a retina já registrou :)
Tudo isso pra dizer que, sim, é difícil e cada vez mais difícil largar o celular. Eu mesma resolvi escrever sobre isso para ver se organizo meus pensamentos e interiorizo essas sugestões que coloquei aí em cima. Meu pai sempre me diz que "tomar consciência de um problema é 50% do problema resolvido". Acho que a primeira parte eu alcancei. Agora vem a segunda, a mais difícil. E meu filtro para identificar se estou passando dos limites vai ser: de que parte de mim ou dos meus valores estou me afastando com essa atitude?
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